*Por Júlia Lucy
Colunista Especial do Blog da Zuleika
Comecei a ser perseguida por um homem há alguns anos. O que parecia inofensivo no início, por que se tratava de mensagens “carinhosas”, começou a se transformar num inferno, na medida em que ficou claro que ele começou a fantasiar um mundo paralelo em que eu era esposa dele.
Inicialmente, as mensagens vinham pelo instagram. Eu bloqueava o perfil, mas logo ele criava outros. Depois, começaram a ser e-mails e textos de SMS. Por fim, como alternativa para quem já não conseguia me acessar mais pelas redes sociais, vieram os PIX e as mensagens à minha filha.
Até o momento em que as ações estavam restritas ao mundo virtual, senti-me apenas incomodada. Mas a situação mudou totalmente quanto ele conseguiu se aproximar de mim, no dia em que eu presidia audiência da Câmara Legislativa do Distrito Federal. O perseguidor conseguiu chegar até mim e entrar no mesmo elevador que eu, com a desculpa de querer marcar uma reunião no meu gabinete.
Seguindo minha intuição, decidi sair do elevador. O clima estranho foi percebido pela Polícia Legislativa, que efetuou a abordagem e constatou que ele portava um objeto cortante. À equipe da Câmara, ele disse que era meu marido e, que portanto, queria ficar perto de mim.
O mandato de Deputada Distrital acabou e eu achei que ele fosse me esquecer. Mas, ao contrário, o assédio somente aumentou e as mensagens agressivas tornaram-se mais contundentes. Infelizmente, chegou o ponto em que ele chegou ao mesmo local físico que eu me encontrava em Taguatinga – sem, no entanto, eu ter postado nas redes sociais (o que me leva a concluir que ele estava me seguindo).
O medo e a sensação de impotência tomaram conta de mim. Eu fiquei sem reação. Senti meu espaço totalmente invadido e uma sensação péssima de falta de liberdade. E é disso que se trata o crime de ‘stalking”, termo da língua inglesa que define o ato de caçar, de perseguir.
O crime foi tipificado recentemente no Brasil. É de autoria da senadora Leila do vôlei, do Distrito Federal. Trata-se da lei 14.132/2021, que estabelece como criminosa a ação de “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.
A pena é de reclusão do 6 meses a 2 anos, e pode ser agravada em alguns casos.
Como o meu “caçador” já possui histórico de ação e isso estava registrado, ele acabou sendo preso em flagrante. Infelizmente, três dias depois, foi solto. O juiz da audiência de custódia acabou decidindo por impor medidas protetivas a mim, informando a ele da proibição de chegar perto da minha residência, do meu trabalho e de me mandar mensagens.
Fiquei arrasada com a notícia da soltura. Comecei a chorar e cancelei todos meus compromissos do dia. Decidi que vou brigar na Justiça para que, pelo menos, ele venha usar uma tornozeleira e a polícia possa monitorar seus deslocamentos – o que me traria algum grau de segurança. Neste momento, estou reletindo se tiro porte de arma.
Decidi tornar o caso público para que mais pessoas saibam que esse tipo de comportamento não deve ser tratado como normal, tampouco tolerado. Vítimas e perseguidores precisam saber o que pode ou não ser feito.
Mas o que mais me chamou atenção, foi a quantidade de mensagens que eu recebi de homens e mulheres que me confessaram já terem vivido – ou estarem vivendo – esse inferno.
Vejo que meu objetivo de falar publicamente sobre o caso foi atingido, mas espero que todas as vítimas tomem a decisão de denunciarem, o mais rápido possível, à polícia.
E a todos os envolvidos fica o pedido: busquem ajuda psiquiátrica e psicológica. Cuidem de vocês e de sua auto-estima. A vida é curta demais para se viver com medo.
Júlia Lucy: Mãe; Cientista Política; Ex-Deputada Distrital e Defensora de liberdades alheias.