Clarice em Busca do Outro leva literatura e teatro às bibliotecas públicas do DF

Com direção e dramaturgia de Delson Antunes, o projeto celebra a obra de Clarice Lispector em um sarau cênico-musical que une arte, leitura e acessibilidade cultural

De 10 a 12 de dezembro, a Biblioteca Nacional de Brasília recebe o sarau cênico-musical Clarice em Busca do Outro. O espetáculo propõe um encontro entre literatura, teatro e música para revelar novas camadas da escrita de Clarice Lispector, uma das autoras mais intensas e instigantes da literatura brasileira.

O projeto, que já circulou pelas Bibliotecas de Taguatinga e Ceilândia no mês de novembro, conta também com a exposição literária “Versos que Ganham Vida”, composta por trechos de contos de Clarice Lispector, impressos em painéis com tradução em Braille. O objetivo é promover acessibilidade e inclusão cultural.

A proposta, que conta com recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF, propõe uma experiência sensorial e acessível, em que o público é convidado a vivenciar a literatura através da ação teatral, da música e da oralidade. Sob a direção e dramaturgia de Delson Antunes, o espetáculo traz 20 textos e fragmentos de Clarice Lispector, entre contos e trechos da obra A Descoberta do Mundo, alguns transformados em canções originais compostas a partir de frases da autora.

O sarau é interpretado por sete atrizes brasilienses de idades e origens diversas, (entre 30 e 70 anos) com diferentes trajetórias, gêneros e raças, o que amplia o alcance e o significado das palavras de Clarice. “Essa diversidade enriquece o material literário, porque cada corpo e cada voz traz uma camada diferente de leitura e sensibilidade”, explica o diretor.

Na Biblioteca Nacional de Brasília, o espetáculo ganha um formato itinerante e imersivo: o público será conduzido pelos três andares da biblioteca, encontrando cenas e performances em diferentes espaços, percorrendo um grande mapa afetivo da obra clariceana.

A escolha dos textos segue o fio condutor da relação com o outro, tema central do projeto. “Clarice fala das nossas conexões com o outro de diversas formas, no sentido afetivo, amoroso e familiar. Pode ser um amor, um amigo, a mãe, um animal, a natureza, o universo. Ela consegue tocar em todas essas relações de maneira sensível e profunda”, comenta Delson Antunes. “Clarice é uma escritora que sempre me chamou muita atenção. Acho que ela capta como ninguém a eterna contradição humana. O ser humano é contraditório por natureza, e para um bom personagem ou uma boa ação dramática, elementos, situações e comportamentos contraditórios são sempre um prato cheio para a criação.”

Outro destaque do projeto é a oficina “A Palavra Como Ação”, ministrada por Delson Antunes e voltada a 20 participantes interessados em teatro e literatura. Com 12 horas de duração, a oficina apresenta a metodologia que ele desenvolveu ao longo de mais de duas décadas, baseada na experiência com formação de atores e adaptação de obras literárias.

“Eu chamo essa técnica de ‘Palavra como Ação’. A palavra precisa ganhar corpo, gesto e intenção para realmente alcançar o outro. É transformar o que foi escrito para ser lido em ação expressiva, tanto no sentido amplo quanto profundo. Um gesto pode valer por uma página inteira”, explica Delson.

O projeto também contempla ações educativas e de formação de público, como rodas de conversa com estudantes da rede pública, que terão transporte gratuito para assistir às apresentações e visitar as exposições. Todas as apresentações contam com tradução em Libras, e duas delas terão audiodescrição, reforçando o compromisso com a democratização do acesso à cultura.

Ao propor um diálogo entre literatura, artes cênicas e inclusão, Clarice em busca do outro reafirma o papel das bibliotecas públicas como espaços vivos de encontro, aprendizado e criação. “Muitas vezes apresento obras literárias em teatro para públicos que não têm contato direto com esses autores. Percebi que o teatro pode facilitar esse encontro e despertar interesse pela leitura. Em outros espetáculos, soube que as vendas das obras aumentaram nas livrarias próximas. Para estudantes da rede pública, escolhi histórias de Clarice Lispector que, na minha experiência, são acessíveis e chamativas. A obra pode tocar os estudantes, despertar reflexão, aumentar o gosto pela literatura e abrir portas para novos encontros com os livros”, explica Delson Antunes.

Delson Antunes: entre a literatura e a cena

A direção e a dramaturgia do projeto são assinadas por Delson Antunes, artista com mais de quatro décadas de atuação nos palcos de Brasília e do Rio de Janeiro. Formado pela Universidade de Brasília (UnB), Delson construiu uma sólida trajetória dedicada à pesquisa da palavra como instrumento cênico e à transposição de obras literárias para o teatro e o audiovisual. Além de dirigir, o artista é responsável pela seleção dos textos de Clarice Lispector e pela costura dramatúrgica que transforma a literatura em ação cênica. Sua pesquisa e metodologia se desenvolveram também a partir de sua experiência como professor de formação de atores em escolas técnicas, onde aprofundou o estudo da palavra como elemento fundamental na criação e expressão cênica. Seu trabalho é marcado pela sensibilidade na adaptação de textos de grandes autores da língua portuguesa, como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Manoel de Barros e Guimarães Rosa e por criações que unem literatura e cena de forma inovadora. Entre seus destaques estão as montagens Mulheres de Caio e Homens, inspiradas na obra de Caio Fernando Abreu (2012 e 2014), e as adaptações de Clarice Lispector em Se Eu Fosse Eu (2015) e Perto do Coração Selvagem (2017).