Tributo musical à resistência e legado da vereadora que abalou o Brasil, chega aos palcos do Teatro SESC Newton Rossi, de 25 a 27 de julho
A obra, dividida em quatro atos e uma abertura orquestral, transcende o campo artístico para se tornar um manifesto sonoro sobre a vida, o ativismo e o assassinato de Marielle Franco (1979–2018) – vereadora negra, lésbica e defensora dos direitos humanos, cuja morte brutal em 2018 ecoou como um grito de alerta contra a violência política no Brasil.
Relevância histórica e política: o legado que inspira gerações
A ópera não apenas narra a trajetória de Marielle, mas resgata seu legado como farol de resistência para movimentos sociais contemporâneos. O libreto, escrito por Antunes após extensa pesquisa com discursos e declarações da vereadora, aborda temas urgentes: violência de Estado, racismo estrutural, resistência LGBTQIAPN+, e a luta por justiça nas periferias.
Cenas como o discurso de Marielle na Assembleia Legislativa do Rio – onde confronta conservadores com o emblemático “Não dou aparte a milicianos!” – e seu assassinato transformado em símbolo de luta (ato IV) refletem como sua voz permanece viva na política atual.
A obra evidencia porque Marielle se tornou ícone global: seu combate às opressões sistêmicas inspira parlamentares, coletivos negros e jovens ativistas, que hoje carregam sua bandeira em pautas como o fim da brutalidade policial e a defesa das comunidades marginalizadas.
Jorge Antunes: o compositor-ativista que une vanguarda e resistência
A ópera é assinada por um dos maiores nomes da música contemporânea brasileira, cuja trajetória se entrelaça com a história política do país. Jorge Antunes, pioneiro da música eletroacústica na América Latina (criador da primeira obra brasileira com sons eletrônicos, em 1962), sempre uniu arte e ativismo.
Durante a ditadura militar, compôs a “Sinfonia das Diretas” (1984) – conhecida como “Sinfonia das Buzinas” por incorporar buzinaços das ruas – e o polêmico “Hino Nacional Alternativo”. Sua luta pela democratização ecoa agora em MARIELLE, parte de um ciclo de óperas que ele chama de “Hertory” – neologismo para destacar heroínas apagadas pela história oficial. Antunes já homenageou Olga Benário em “Olga” (2019) e planeja óperas sobre Rosa Luxemburgo e Zuzu Angel, afirmando: “mulheres guerreiras merecem ter suas narrativas cantadas”.
Inovação musical a serviço da memória
Com 19 músicos da orquestra ARS Hodierna, sons eletroacústicos pré-gravados e um coro de 12 vozes, a partitura de Antunes funde linguagens para retratar a pluralidade de Marielle. Sopranos líricos se alternam com o funk (gênero que ecoa nas favelas cariocas), enquanto performances de mímica (como a do personagem Rui, sobrevivente da ditadura) e projeções visuais criam uma imersão sinestésica.
A cena do sarau na Casa das Pretas (ato IV), com poemas de Luiz Gama e imagens do assassinato, converte dor em esperança: o coro encerra com o lema “Não conseguirão matar a primavera”, acompanhado por uma voz eletrônica que adverte “Estamos de olho; à espreita!” – lembrando que a vigilância contra a opressão permanece.
Ceilândia: a periferia que recebe a história de uma heroína da periferia
A escolha do Teatro SESC Newton Rossi, localizado na maior Região Administrativa do DF, carrega profundo simbolismo. Assim como Marielle – nascida no Complexo da Maré, no Rio -, Ceilândia é um território de resistência periférica. Estrear a ópera ali não apenas democratiza o acesso (com entrada franca), mas alinha palco e realidade: as discussões sobre violência policial (ato I) e educação como ferramenta de luta (personagem Professor Alcimar) ressoam com urgência nas quebradas do DF. A cenografia de Maria Carmen retrata favelas e assembleias, enquanto a direção de Chico Expedito reforça o diálogo entre arte e território.
Ficha técnica e serviço
Com elenco de destaque como Aida Kellen (Marielle, soprano) e Clara Figueiroa (Mônica, contralto), a ópera é uma realização do FAC-DF (Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal), consolidando o projeto de Antunes de “óperas políticas” como instrumentos de transformação social.
Local: Teatro SESC Newton Rossi (QNN 27 Área Especial Lote B, Ceilândia Norte)
Datas: 25 e 26/7 (sexta e sábado, 19h); 27/7 (domingo, 16h e 19h)
Entrada franca | Classificação livre
Os atos da “Ópera MARIELLE”
Dividida em quatro atos, com regência do Maestro Jorge Lisbòa Antunes, a ópera narra a trajetória de luta, amor e resistência da protagonista, ambientada em contextos sociais e políticos do Rio de Janeiro
No primeiro ato (43 minutos), precedido por abertura estreada na 25ª Bienal de Música Brasileira Contemporânea, em 12/12/2023 (https://youtu.be/IrCILTA3lxQ), o cenário é uma favela dividida entre barracos e uma sala de aula comunitária. As conversas abordam a violência policial, com relatos de Maria, cadeirante vítima de bala perdida, e a educação como ferramenta de resistência, simbolizada nas aulas de Física do Professor Alcimar, que usa a Terceira Lei de Newton para discutir ação e reação social. Marielle, grávida, critica a opressão estrutural e expressa esperança por um futuro melhor para sua filha, enquanto Mônica reforça a importância da união coletiva.
No segundo ato (29 minutos), o cenário migra para um apartamento na Tijuca, decorado com símbolos de resistência LGBTQ+ e figuras como Frida Kahlo. Marielle e Mônica trocam alianças, planejando um casamento que simboliza afeto contra a homofobia. Em paralelo, reúnem-se aliados para organizar a candidatura de Marielle à vereança, discutindo estratégias políticas e alianças. Rui, mudo e sobrevivente da ditadura, realiza uma performance de mímica sobre tortura, conectando passado e presente. A cena é interrompida por interferências na TV, com vozes homofóbicas, reforçando a opressão externa.
O terceiro ato (16 minutos) divide-se entre um teatro de sombras (à esquerda) e a Assembleia Legislativa (à direita). Marielle, já vereadora, denuncia a intervenção militar no Rio, destacando seu impacto racista, enquanto enfrenta interrupções de colegas conservadores. Ela responde com firmeza: “Não dou aparte a milicianos!”. Simultaneamente, uma dupla de funk debate machismo e resistência, ecoando as palavras de Marielle (“Ser mulher é resistir”). O teatro de sombras ilustra corrupção e violência, contrastando com a luta institucional da protagonista.
No quarto ato (38 minutos), a ação ocorre na Casa das Pretas e no apartamento da Tijuca. Um sarau com poemas de Luiz Gama (“Em nós, até a cor é um defeito”) destaca o racismo estrutural, enquanto projeções e cenas simbólicas retratam o assassinato de Marielle (tiros, explosões) e sua transformação em ícone da resistência. Mônica, Maria, Professor Alcimar e Paulão lamentam sua morte, mas prometem continuar a luta, regando o “jardim” com lágrimas para que “novas Marielles” floresçam. O coro final repete o lema “Não conseguirão matar a primavera”, enquanto uma voz eletrônica (“Estamos de olho; à espreita!”) encerra a obra, lembrando a vigilância constante contra a opressão.